Mini prion sintetizado revela como a dobra inadequada de proteínas se propaga

Cientistas da Universidade Northwestern e da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, criaram o primeiro fragmento sintético da proteína tau que se comporta como um prion. Esse “mini prion” se dobra e forma estruturas, conhecidas como fibrilas, que são fibras de proteínas tau mal dobradas. Essas fibrilas conseguem transmitir sua forma anormal para outras proteínas tau que estão normais.

As proteínas mal dobradas, semelhantes a prions, são responsáveis pelo avanço de doenças tauopatias. Essas doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, são caracterizadas pela acumulação anormal dessas proteínas no cérebro. Ao estudar uma versão sintética menor da tau humana, os cientistas podem reproduzir melhor as fibrilas que contêm as proteínas tau mal dobradas. Isso pode levar ao desenvolvimento de ferramentas melhoradas para diagnóstico e tratamento dessas doenças tão necessárias.

Durante a criação da proteína sintética, os cientistas descobriram mais sobre o papel da água na superfície da proteína, que ajuda no processo de mal dobragem. Uma mutação comum usada para modelar doenças relacionadas à tau muda sutilmente a estrutura da água ao redor da proteína tau. Essa mudança na água influencia a capacidade da proteína de assumir uma forma anormal.

Esse estudo será publicado na semana do dia 28 de abril nas Proceedings of the National Academy of Sciences.

O professor Songi Han, líder do estudo, destacou que as doenças neurodegenerativas relacionadas à proteína tau são muito variadas. Isso inclui problemas como a encefalopatia traumática crônica, que afeta jogadores de futebol americano após traumas na cabeça, entre outras doenças. Criar fragmentos de tau que podem reproduzir a estrutura da fibrila e a mal dobragem específica de cada doença é um passo importante para entender essas condições.

Han é professor de Química na Northwestern e participa de várias iniciativas acadêmicas e de pesquisa. Michael Vigers, ex-aluno de doutorado de Han, foi o principal autor do estudo. Coautores da UC Santa Barbara incluem Kenneth S. Kosik, Joan-Emma Shea e M. Scott Shell. O trabalho também contou com o suporte de vários alunos e pós-graduandos.

Uma reação em cadeia de mal dobragem

Em várias doenças neurodegenerativas, as proteínas se mal dobram e se agrupam em fibrilas, que prejudicam a saúde do cérebro. Isso dificulta o diagnóstico. Quando uma proteína normal encontra essas fibrilas patológicas, ela muda de forma e se torna semelhante à versão mal dobrada. Isso desencadeia uma reação em cadeia, onde mais proteínas passam a adotar a forma mal dobrada.

Apesar de esse comportamento ser semelhante ao de prions, que podem transmitir doenças entre pessoas, não envolve prions de verdade. Usando micrografia eletrônica criogênica, os pesquisadores analisaram a estrutura das fibrilas obtidas de amostras de tecido cerebral. Embora essa descoberta tenha sido muito importante, as amostras de cérebro só podem ser coletadas após a morte do paciente.

Como destaca Han, quando as pessoas começam a apresentar sinais de doenças neurodegenerativas, elas não são diagnosticadas com base em biomarcadores. O diagnóstico é feito por meio de questionários e avaliação de uma série de sintomas como padrões de sono e memória. A dificuldade está na geração confiável das fibrilas tau que podem servir como alvos para desenvolver estratégias diagnósticas.

Um modelo simplificado

Para superar esse desafio, Han e sua equipe desenvolveram uma proteína tau sintética semelhante a prions. Em vez de recriar todo o comprimento da proteína, que é longa e complexa, a equipe focou na menor parte da tau que poderia ainda assumir uma forma mal dobrada e formar fibrilas semelhantes a essas doenças.

No final, eles concentraram-se em um pequeno segmento de tau chamado jR2R3, com apenas 19 aminoácidos. Esse segmento contém a mutação P301L, comum em várias doenças. Os pesquisadores descobriram que esse pequeno peptídeo podia formar as fibrilas prejudiciais e atuar como uma “semente” para induzir a mal dobragem da proteína tau completa.

“Fizemos uma versão mini que é mais fácil de controlar”, diz Han. “Mas ela faz tudo que a versão completa faz: causa a mal dobragem e faz a proteína tau normal se juntar às fibrilas.”

Utilizando a micrografia eletrônica criogênica, o time estudou a estrutura das fibrilas sintéticas. Descobriram que a mutação P301L facilita um tipo específico de mal dobragem que é frequentemente observado nas amostras de pacientes com neurodegenerações. Isso sugere que essa mutação influencia diretamente a mal dobragem da proteína.

A forma da água

Em seguida, Han buscou entender como as proteínas tau, que são inicialmente desordenadas, se organizam para formar essas fibrilas ordenadas. Ela comparou isso a jogar fios de espaguete moles e esperar que formem uma pilha organizada. “É impossível que uma proteína desordenada se dobre de maneira perfeita sozinha”, afirma Han.

Ela começou a pensar que algo precisava manter as proteínas mal dobradas unidas. A chave para isso, ela descobriu, era a água. O ambiente ao redor de uma proteína, em especial as moléculas de água, desempenha um papel fundamental em como as proteínas se dobram e se agregam. A mutação P301L parece mudar a estrutura da proteína tau, além de afetar o comportamento das moléculas de água ao seu redor.

“A água é uma molécula fluida, mas ainda possui uma estrutura”, explica Han. “A mutação no peptídeo pode levar a uma arrumação mais estruturada das moléculas de água ao redor.” Essa água estruturada ajuda a manter as proteínas unidas, permitindo que elas se dobrem e formem uma pilha ordenada. As fibrilas, com seu comportamento semelhante a prions, recrutam outras proteínas para se mal dobrarem e se juntarem à pilha.

Próximos passos

Agora, a equipe de pesquisa está focada em caracterizar mais as propriedades dessas proteínas sintéticas e semelhantes a prions. O objetivo é explorar aplicações potenciais, incluindo o desenvolvimento de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas para doenças relacionadas à tau.

“Uma vez que uma fibrila de tau se forma, ela não desaparece”, observa Han. “Ela vai atrair tau ingênuas e dobrá-las na mesma forma. Isso pode continuar indefinidamente. Se conseguirmos entender como bloquear essa atividade, poderemos descobrir novos agentes terapêuticos.”

O estudo aborda um passo importante na pesquisa sobre essas doenças complexas, além de abrir caminhos para futuras experiências no setor.