Seleção genética de embriões e a posição da Igreja Reformada

Vivemos em uma sociedade que muitas vezes aceita tudo que vem com a marca de “ciência” sem questionar. Essa atitude pode ser arriscada. A história nos mostra que, embora a ciência seja importante, ela não está sempre correta. O que parecia ser um avanço em um tempo pode, anos depois, ser visto como um erro grave.

Um exemplo disso é António Egas Moniz, um neurologista português. Ele foi pioneiro na lobotomia, um procedimento que na época era considerado um avanço na medicina e, por isso, ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1949. Hoje, no entanto, a lobotomia é reconhecida como uma prática desumana e inaceitável. Um outro caso é o da eugenia, que foi celebrada no início do século XX como uma abordagem científica. Hoje, sabemos que esse movimento causou muita discriminação e violência. Por isso, é fundamental que ninguém siga cegamente propostas que se apresentam como científicas. É preciso ter um discernimento moral e ético.

Esse discernimento se torna ainda mais relevante diante das atuais inovações na biotecnologia. Um exemplo é o trabalho de empresas que analisam geneticamente embriões criados por fertilização in vitro. A Nucleus Genomics, por exemplo, criou sistemas que analisam embriões com base em milhares de previsões genéticas. Os pais podem escolher o embrião que, segundo as análises, teria mais chances de viver mais, de evitar doenças ou de ter características físicas e mentais específicas.

Esses sistemas fazem previsões para mais de 600 doenças, estimativas de longevidade, tendências de comportamento e várias outras características, como altura ou inteligência. A lógica é perturbadora: entre vários embriões, os pais podem escolher o “melhor” ou o “mais promissor”.

Essa proposta é absurda, pois embriões humanos são vidas em desenvolvimento, não produtos que podem ser comparados e descartados. Ver esses embriões como itens classificáveis e descartáveis é um retrocesso moral que se assemelha aos princípios da eugenia, que a sociedade já rejeitou. Mesmo que a linguagem seja mais refinada, como “redução de risco” ou “otimização genética”, o que está em jogo é a moralidade de decidir quem merece viver e quem deve ser rejeitado por não atender a certos padrões.

Diante desse cenário, a fé cristã oferece princípios que podem nos ajudar a rejeitar essas práticas. Segundo a Bíblia, um ser humano é criado à imagem de Deus, e essa dignidade não depende da saúde, habilidades ou potenciais da pessoa. O salmista lembra que Deus nos forma desde o ventre materno, o que inclui os embriões que alguns laboratórios veem apenas como material biológico. Além disso, Deus controla a vida e todos os detalhes da existência humana. Tentar decidir, por meio de estatísticas genéticas, quem deve nascer é uma forma de usurpar um papel que pertence a Deus.

A tradição reformada também reforça essa ideia. A Confissão de Fé de Westminster nos ensina que Deus governa tudo de acordo com Sua vontade, e que Sua providência se estende a todas as criaturas, guiando cada uma dentro de Seus planos. Isso significando que o sofrimento e as limitações são parte de um mundo caído, e não razões para eliminar vidas humanas em nome da eficiência genética. Para nós, filhos não são produtos ajustáveis, mas bênçãos de Deus que devem ser amados e educados, não selecionados como se fossem mercadorias.

Diante disso, não podemos nos afastar dessa discussão. Quando a sociedade decide escolher embriões com base em conveniências, está se aproximando de um abismo moral que já conhecemos na história. A igreja tem o dever de se manifestar. É essencial que levantemos nossa voz para alertar contra qualquer tentativa de desumanizar vidas e afirmar que cada ser humano, independentemente das suas características genéticas, é digno de respeito, pois foi criado por Deus.

À medida que nossa sociedade se distancia dos valores divinos, é ainda mais urgente que fiquemos firmes em defender aqueles que não têm voz. É nosso papel defender a ideia de que a vida humana é um dom sagrado, que não pode ser reduzido a questões tecnológicas ou aos padrões de uma cultura que valoriza apenas resultados. Precisamos agir e testemunhar, com amor e verdade, que cada vida tem valor.

Só assim poderemos nos manter fiéis ao Senhor da vida e ao legado da fé que nos foi confiado. É um desafio grande, mas necessário, para garantir que as futuras gerações possam viver em um ambiente onde cada vida é respeitada e valorizada. Ao nos unirmos neste propósito, contribuímos para um mundo mais justo e humano. O futuro depende de nossas escolhas e do entendimento que tivermos sobre a dignidade da vida.