App diminui idas de pacientes com câncer ao pronto-socorro

Uma dor persistente, uma febre inesperada ou uma secreção anormal podem levar muitos pacientes com câncer a procurar atendimento de emergência. A falta de suporte informativo nos hospitais muitas vezes provoca ansiedade e incertezas, impulsionando essas visitas a prontos-socorros.

No Instituto Nacional de Câncer (Inca), uma iniciativa inovadora baseada em comunicação digital procura reduzir essas idas desnecessárias. A proposta é interligar pacientes e profissionais de saúde por meio de um aplicativo. Isso permite que dúvidas e problemas sejam esclarecidos rapidamente, sem a necessidade de deslocamentos até o hospital.

O aplicativo, chamado Lila, foi desenvolvido a partir de 2017, inspirado por pesquisas que mostram que o relato imediato de sintomas e uma orientação rápida podem diminuir complicações e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Com o Lila, os usuários podem registrar sintomas, perguntas ou desconfortos diretamente em seus celulares, descrevendo a intensidade do problema.

Os profissionais de saúde monitoram as mensagens em uma plataforma que organiza as informações e possibilita respostas assíncronas. Graças a esse canal, é possível ajustar medicações, orientar medidas a serem tomadas e tirar dúvidas que, sem essa ferramenta, poderiam causar angústia e levar a idas ao pronto-socorro.

Conforme explica o oncologista Carlos José Coelho de Andrade, um dos idealizadores do aplicativo, a proposta inverte o modelo tradicional da oncologia. Entre consultas, que frequentemente ocorrem a cada duas ou três semanas, os pacientes costumam ficar sem contato direto com a equipe médica. O uso do Lila altera isso, permitindo que muitos problemas sejam solucionados sem a necessidade de ir ao hospital, o que, na prática, alivia o sofrimento, principalmente em relação à dor — um dos principais motivos que levam pacientes oncológicos a buscar emergências.

Luiz Antonio Santini, ex-diretor do Inca, alerta que idas desnecessárias ao pronto-socorro podem prejudicar o tratamento, já que o atendimento pode ser realizado por médicos não familiarizados com a condição específica do paciente, aumentando o risco de intervenções inadequadas.

O Lila começou como um estudo clínico, mas já se destacou na área de cuidados paliativos, especialmente no atendimento domiciliar. Dados iniciais sobre o uso do aplicativo ainda estão sendo analisados, mas já existem evidências de que ferramentas similares em outros países, como na Austrália, resultaram em reduções significativas nas visitas a emergências — em alguns casos, essa diminuição chegou a 30%.

O interesse pelo aplicativo se espalhou pelo país, com profissionais de diversas regiões, como Belém, Ceilândia (DF) e Janaúba (MG), adotando essa ferramenta, particularmente em locais onde o deslocamento até o hospital é difícil.

Em regiões como o Pará, onde muitos pacientes moram longe dos centros de saúde, o Lila tem sido crucial. Por exemplo, um paciente que está em tratamento quimioterápico pode enviar uma foto de manchas na pele e receber orientações imediatas. Essa comunicação evita deslocamentos desnecessários e garante que intervenções sejam feitas rapidamente.

A oncologista Daia Polianne Peres Hausseler, coordenadora do Centro de Cuidados Paliativos Oncológicos em Belém, compartilha casos em que a utilização do aplicativo permitiu identificar complicações rapidamente. Uma situação específica envolveu um paciente relatando dor intensa na perna, o que levou à suspeita de trombose e a um tratamento em menos de dois dias, ao invés de semanas que um percurso convencional exigiria.

Além disso, o aplicativo facilita a identificação de infecções precoces. Pacientes que relatam sintomas como febre podem ser rapidamente orientados, evitando que um problema simples evolua para uma situação crítica.

O Lila também ajuda a determinar quando o atendimento presencial é realmente necessário. Caso um paciente precise de cuidados urgentes, a equipe recomenda que ele se dirija ao hospital.

Atualmente, o serviço realiza cerca de 120 atendimentos mensais, com mais de 500 pacientes cadastrados e 14 médicos utilizando a plataforma. Embora todos tenham acesso, uma médica fica disponível para atender diretamente pelo aplicativo durante a semana.

Um aspecto muito importante dessa ferramenta é a comunicação. Pesquisas mostram que muitos pacientes em cuidados paliativos não têm consciência de sua situação, revelando a dificuldade em conversar sobre questões delicadas. A proposta do Lila é permitir que o paciente expresse suas percepções de modo mais aberto e contínuo, mesmo fora do hospital.

O desafio agora é estrutural. Embora o custo do aplicativo seja relativamente baixo em comparação com a ampliação dos serviços de emergência, é necessário reorganizar as equipes e assegurar financiamento contínuo. O projeto teve apoio inicial da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e, em seguida, recebeu suporte por meio de investimento coletivo e uma emenda parlamentar.

Para os envolvidos, a implementação desse tipo de estratégia nas políticas de saúde pública é um passo fundamental. O investimento em comunicação qualificada pode resultar em economia e uma intervenção simples com potencial impacto significativo na assistência ao paciente.